O site da coleção Bang! lançou a tradução oficial de Revealed, já com o titulo português desvendado, Revelada.
Sem data certa, a publicação ainda atira o lançamento do livro para 2014.
PRIMEIRO CAPÍTULO
Tradução de Susana Serrão
Neferet
O reflexo do passado que se tinha subitamente manifestado no espelho místico de Zoey Redbird fora uma rememoração terrível da morte da inocência de Neferet. Fora tão inesperado ver-se a si mesma outra vez numa rapariga destroçada e espancada que a recordação tinha devastado Neferet, deixara-a vulnerável ao ataque amotinado da criatura que fora seu veículo. Aurox tinha-a dominado, escornado e atirado da varanda do apartamento na cobertura. Quando ela embatera no passeio, Neferet, anterior Sumo-Sacerdotisa de Nyx, morrera deveras. Quando o coração mortal deixara de bater, o espírito dentro dela, a energia imortal que fizera dela Rainha Tsi Sgili, assumira o comando, dissolvera o invólucro que lhe servira de corpo e ganhara vida… vida.
A massa de Escuridão e de espírito aninhara-se, enterrara-se, à espera, à espera, a sobreviver, enquanto a consciência da Tsi Sgili lutava por continuar a existir.
A rapariga violada no espelho ressuscitara uma recordação que Neferet pensava estar há muito morta… enterrada… esquecida. Esse passado erguera-se com uma força que ela estivera completamente despreparada para combater.
Vivo outra vez, o passado matara Neferet.
Neferet recordava-se. Outrora, fora filha de alguém. Outrora fora Emily Wheiler. Outrora fora uma criança vulnerável e desesperada, e o humano que deveria ter sido seu mais vigilante protetor molestara-a, abusara dela, violara-a.
No instante em que o reflexo de Emily relampejara naquele espelho mágico, todas as décadas de poder e força que Neferet erguera numa barreira usada para reprimir essa violação, essa inocência assassinada, tinham-se evaporado.
Desaparecera a poderosa Sumo-Sacerdotisa vampyra. Só restava Emily, a contemplar a ruína da sua juventude. Emily a quem Aurox escornara e atirara para o passeio solitário na base do Hotel Mayo. Tinha sido Emily a levar Neferet com ela na morte.
Porém, sobrevivera o espírito da Rainha Tsi Sgili.
Era certo que o corpo fora destroçado, a mente devastada, mas a energia que era a imortalidade de Neferet perdurava, embora a consciência lhe pairasse à beira da dissolução. O consolo dos fios da Escuridão acolhera-a e fortalecera-a, deixara-a primeiro buscar a similitude com insetos, depois com sombras, em seguida com a bruma. O espírito da Tsi Sgili bebeu a noite e vomitou o dia – afundou-se no sistema de esgotos da baixa de Tulsa e avançou lenta mas inexoravelmente numa única direção – o que restava de Neferet tinha uma compulsão incansável de buscar o que lhe era conhecido – para procurar o que lhe devolveria novamente a integridade.
A Tsi Sgili teve noção quando franqueou a barreira entre a cidade e o lugar que ela melhor conhecia. O lugar que, mesmo sem corpo, o seu espírito reconhecia porque a atraíra durante tantos anos. Entrou na Casa da Noite feita numa névoa densa e cinzenta. Foi à deriva de sombra para sombra, a absorver o que lhe era conhecido.
Quando ela chegou ao templo no coração da escola, o espetro encolheu-se, embora o fumo e a sombra, a energia e a escuridão, não possam sentir dor, tal como não podem sentir prazer. A energia malévola da Tsi Sgili encolheu-se por reflexo, à semelhança da coxa cortada de uma rã que reage na frigideira quente.
Foi essa reação inadvertida que lhe mudou o caminho, que a fez avançar até perto do lugar de poder que ela sentia deveras. A Tsi Sgili não sabia reconhecer dor nem prazer, mas o que restava de Neferet conhecia o poder. Ela conheceria sempre o poder.
Em gotas pegajosas de humidade oleosa, ela afundou-se no buraco aberto na terra. Absorveu a energia que a rodeava e nisso chamou a si o resíduo fantasmagórico do que acontecia mais acima.
A Tsi Sgili poderia ter permanecido assim – sem forma, sem rosto, simplesmente existindo – se a morte não tivesse escolhido esse momento para se aproximar.
Como o vento que sopra as nuvens para cobrirem o sol, a chegada da morte foi invisível, mas a Tsi Sgili sentiu-a antes de a iniciada começar a tossir.
A morte era ainda mais conhecida do espetro do que a escola ou aquele lugar de poder. A morte ergueu-a do abismo no chão. Num assomo de entusiasmo, o espírito da Tsi Sgili manifestou-se na primeira forma que lhe chegara perto do princípio do seu poder – a forma daquele inseto de oito patas e busca, curiosidade e resistência incessantes.
As aranhas negras, como uma só, materializaram-se para buscar e alimentar-se da morte.
Ironicamente, fora o círculo da iniciada que abrira a conduta de energia que permitira a Neferet ganhar consciência bastante para se poder concentrar e munir do antigo poder da morte e, em derradeira instância, encontrar-se a si própria mais uma vez.
Eu sou aquela que era Emily Wheiler, e depois Neferet, e depois Tsi Sgili – rainha, deusa, imortal!
Até àquele momento, o seu intuito era encontrar o que lhe fosse conhecido. Quando a morte desceu sobre a iniciada, o espírito da Tsi Sgili alimentou-se dela, a recolher energia para que as recordações finalmente se fundissem a partir dos fragmentos de passado e presente num único conhecimento genuíno.
O choque desse conhecimento fez com que energia crua lhe assolasse o espírito, fragmentasse os fios de Escuridão e impulsionasse a remodelação do corpo. Estava quase completamente formada quando os elementos a expulsaram. Neferet explodiu do círculo e fugiu.
Só conseguiu chegar ao portão de ferro que servia de barreira entre a rua dos humanos e o recinto da escola de vampyros. Ali o seu corpo consolidou-se e ela esgotou todo o poder que canalizara, ficou ofegante, fraca como recém-nascida, quase não conseguia suster a consciência. Neferet tombou contra o muro que era a barreira da Casa da Noite.
A fome assolava-a!
A fome dominou-lhe o pensamento até ouvi-lo falar em voz alta, despeitado e sarcástico:
— Sim, querida. Claro que tem razão. Tem sempre razão. Eu também não quero ficar para a parvoíce do sorteio, não me interessam para nada os quinhentos dólares em rifas que comprei pela hipótese de ganhar o Thunderbird de 1966 que os vampyros querem dar. Não, não há problema nenhum! Tal como a querida disse tantas vezes, devíamos ter chamado o motorista e alugado limusina. Lamento imenso o transtorno de a querida esperar que eu vá a pé ao estacionamento buscar o carro para a vir buscar, sentada descansadinha num banco. Ah, e agrada-me tanto que tenha deixado os dois vereadores tansos mirarem-lhe as mamas enquanto lhes bichanava ao ouvido para espalhar mexericos sobre a Neferet. Ha! Ha! Ha!
O riso sarcástico dele chegou-lhe no ar da noite.
— Se ligasse a mais alguma coisa além de si própria, saberia que a Neferet sabe muito bem tomar conta dela. Vândalos no apartamento e ninguém os viu? Não me parece. Aquilo mais parecia o resultado de um ataque de mau génio feminino. Tenho pena de quem tenha feito a Neferet perder a cabeça, mas não tenho pena da Neferet.
Neferet fez um esforço para se soerguer, à escuta de corpo inteiro. O humano falara no nome dela. Devia ser sinal de que ele era uma dádiva dos deuses.
O Lexus a menos de trezentos metros de onde estava agachada acendeu-se quando ele tocou na chave eletrónica e resmungou:
— Maldita mulher. Só sabe intrigar e manipular, manipular e intrigar. Se tivesse dado ouvidos ao meu pai, nunca me teria casado com ela. Dos vinte e cinco anos que tenho passado com ela, só ganhei hipertensão, azia e uma filha desnaturada. Podia ter sido o primeiro presidente solteiro de Tulsa em cinquenta anos e escolhido entre as jovens herdeiras do petróleo, não estivesse já preso a ela…
A resmunguice dele desvaneceu-se em ruído de fundo quando a audição apuradíssima dela lhe focou o batimento cardíaco.
Ela suspirou de gratidão. Ele parecia mesmo o jantar. Ela não agradeceria aos deuses do destino que lho tinham enviado. Aceitaria o auxílio deles, pois eras mais do que merecido – o reconhecimento deles pelo regresso dela às suas hostes imortais.
Ele abria a porta da berlina quando ela se levantou. Neferet reuniu todo o anseio e toda a fome que sentia numa única palavra que era o nome dele:
— Charles!
Ele parou, endireitou-se e olhou na direção dela, a tentar ver na escuridão.
— Está aí alguém?
Neferet não precisava de luz para ver. A sua vista prescrutava a Escuridão com toda a facilidade e conforto. Viu-lhe o cabelo cuidadosamente penteado, as linhas bem cortadas do fato caro, o suor por cima do lábio superior, e a pulsação no pescoço que batia regularmente com o sangue da vida.
Ela avançou e sacudiu para trás o cabelo comprido castanho avermelhado, expôs o deleite que era o seu corpo nu. Em seguida, como se só então lhe ocorresse, cobriu com as mãos as partes íntimas para as ocultar, em vão, dos olhos arregalados dele.
— Charles! — Neferet repetiu o nome dele e acrescentou com voz chorosa — Eles fizeram-me mal!
— Neferet? — Obviamente confuso, Charles deu um passo na direção dela antes de estacar. — É mesmo a Neferet?
— É! Sou! Oh, deusa, que seja o Charles a descobrir-me aqui, nua, ferida, completamente só. É terrível! É muito mais do que posso suportar! — Neferet chorou, o rosto coberto pelas mãos, a deixá-lo mirar melhor o seu corpo.
— Não compreendo. O que foi que lhe aconteceu?
— Charles! — O nome dele ouviu-se, estridente, atrás deles no recinto da escola, e fê-los parar aos dois. — Porque é que se está a demorar tanto?
— Querida, encontrei — Charles começou a responder à esposa, mas Neferet avançou rapidamente para ele. Agarrou-lhe na mão, interrompeu-lhe as palavras.
— Não! Não lhe diga que sou eu. Não suportaria que ela soubesse o que me fizeram — sussurrou ela em tom desesperado.
O olhar dele estava completamente absorto pelos seios nus de Neferet quando pigarreou e continuou:
— Querida Frances, tenha paciência. Tinha deixado cair o comando do carro, acabei de o encontrar outra vez. Levo o carro em um ou dois minutos.
— Claro que o deixou cair! É mesmo desajeitado! — Ouviu-se a réplica eivada de veneno.
— Vá ter com ela! Esqueça que me viu. — Neferet gemeu e voltou cambaleante para as sombras ao lado do muro da escola. — Eu sei tomar conta de mim.
— Mas de que é que está a falar? Claro que não vou deixá-la aqui nua e ferida. Tome, ponha o meu casaco. Conte-me o que lhe aconteceu. Sei que lhe vandalizaram o apartamento. Raptaram-na? — Perguntou Charles a avançar para ela. Tirou o casaco do fato e ofereceu-lho.
O olhar de Neferet incidiu nas mãos dele, a segurarem no casaco, a oferecerem-lho.
— Tem as mãos tão grandes. — Esmagada por imagens do passado, Neferet teve dificuldade em falar com lábios que já estavam frios e dormentes. — Os dedos, tão grossos.
Charles piscou os olhos, confuso,
— Pois, devem ser. Neferet, está perturbada? Parece-me muito transtornada. Como é que a posso ajudar?
— Ajudar-me? — A mente esfaimada empurrou Neferet para fora do passado de Emily. — Vou mostrar-lhe a única maneira de me poder ajudar.
Neferet não desperdiçou mais energia a falar com ele. Num único movimento predatório, derrubou o casaco que lhe oferecia e empurrou Charles contra a parede. O fôlego saiu-lhe num uuf chocado e ele tombou na relva, arquejante. Ela não lhe deu tempo de se recompor. Prendeu-o no chão com os joelhos e, as mãos como garras, Neferet rasgou-lhe o pescoço. Quando o sangue quente e espesso jorrou da veia jugular, ela levou os lábios ao corte e bebeu profundamente. Ele nem sequer se debateu na morte. Completamente enfeitiçado por ela, gemeu e tentou levantar os braços para a estreitar melhor. O ar dentro dele gorgolejou, acabou-lhe com os gemidos, e as pernas sacudiram-se em espasmos, mas a força de Neferet aumentava quanto mais perto ele ficava da morte. Bebeu e bebeu, esgotou-o de corpo e espírito, até que Charles LaFont, presidente do município de Tulsa, não passava de um invólucro sem sangue e sem vida.
A lamber os lábios, Neferet levantou-se, a contemplar o que restava dele. A energia percorria-lhe o corpo. Como adorava o sabor da morte!
— Charles, maldito seja! Mas tenho de ser eu a fazer tudo? — A voz da esposa soava mais perto, como se avançasse na direção deles.
Neferet ergueu a mão ensanguentada.
— Bruma e escuridão, estas são as minhas ordens: ocultem-me o corpo. Agora! Cubram-me!
Em vez de lhe obedecerem e de esconderem Neferet de olhos curiosos, a sombra mais funda e mais negra só estremeceu, inquieta. No ar da noite, Neferet sentiu, mais do que ouviu, a resposta: O teu poder enfraquece, Tsi Sgili renascida. Dás-nos ordens? Veremos… veremos…
A raiva era uma emoção a cujo luxo Neferet não se podia dar. Manteve a raiva controlada, escolheu-a em vez do casaco do fato de Charles LaFont. Vestida apenas de sangue e raiva e poder enfraquecido, Neferet fugiu. Tinha chegado à vala do lado oposto da Utica Street quando a mulher de LaFont começou a gritar.
Os gritos dela fizeram Neferet sorrir e, embora a Escuridão não obedecesse às suas ordens e a ocultasse, a Tsi Sgili correu com a ligeireza sobrenatural de um ser imortal. Enquanto fugia pelos bairros opulentos da cidade, Neferet imaginou que aspeto teria para qualquer mortal com a sorte de olhar pela janela naquele momento. Ela era um espetro escarlate, uma Banshee dos tempos de antanho. Neferet desejou recuperar a praga da Magia Antiga da Banshee – qualquer mortal que tivesse a hubris de a contemplar seria transformado em pedra.
Pedra… quem me dera… quem me dera…
A morte do presidente da câmara não a levou longe. A ligeireza de Neferet não tardou a vacilar. Ondas de fraqueza assolaram-lhe o corpo com intensidade tal que ela tropeçou na berma mas próxima, a tentar sorver ar.
Aqui não há casas. Onde estou?
Confusa, Neferet olhou em volta, a pestanejar por causa dos candeeiros estilo anos 20 que salpicavam o parque. Instintivamente, afastou-se das luzes e entranhou-se nos arbustos e carreiros sinuosos no coração do parque.
Foi numa pequena elevação, rodeada de arbustos de azáleas adormecidas, que Neferet recobrou finalmente o fôlego e conseguiu pensar com clareza bastante para reconhecer o local.
Woodward Park – não fica longe da Casa da Noite. Neferet olhou para cima, em busca do horizonte urbano da baixa de Tulsa. O Mayo fica longe de mais. Não consigo lá chegar antes da aurora. Mesmo que conseguisse chegar ao hotel antes de o sol se erguer no céu e lhe roubar o que restava da sua força, como poderia passar pelos humanos que trabalhavam na portaria? A Escuridão não lhe obedecia. Sem ocultação, seria apenas uma vampyra nua e coberta de sangue – uma coisa abominável e digna de prisão – especialmente na noite em que o presidente da câmara fora assassinado por um vampyro.
Talvez devesse ter ponderado com mais cuidado as alternativas antes de pôr termo à triste vida de LaFont.
Neferet sentiu a primeira punhalada de pânico. Não estivera assim sozinha e vulnerável desde a noite em que o pai lhe acabara com a inocência.
A Tsi Sgili estremeceu, a recordar-se das mãos grandes e quentes dele, dos dedos grossos, do fedor do hálito dele.
Neferet chorou, a recordar-se também das sombras que a tinham reconfortado em rapariguinha, e a Escuridão que apaziguara a sua inocência destroçada.
— Abandonaram-me todos? Não há nenhum dos meus filhos da escuridão que me permaneça leal?
Como que em resposta, os arbustos diante dela murmuraram de movimento e dentro deles saiu uma raposa. A criatura olhou para Neferet sem medo aparente. Neferet ficou estarrecida com a beleza do pelo vermelho ambarino e a inteligência daqueles olhos verdes cintilantes.
A raposa é a minha resposta – a minha dádiva – o meu sacrifício.
Neferet reuniu os resquícios do seu poder. Silenciosa e velozmente, atacou, partiu o pescoço da raposa com um único golpe. Enquanto a luz esmorecia nos olhos do animal, Neferet deitou o corpo no seu colo e abriu a garganta da criatura com as garras. Depois ergueu a raposa para que o sangue se lhe derramasse pelos braços, pelos seios, e fizesse uma poça à volta dela como um aguaceiro cálido e primaveril.
— Se exigem um sacrifício, tomem desta criatura o suplício! Este sangue serve apenas de porta aberta. Voltem para mim e Tulsa será a minha oferta!
As sombras mais fundas por baixo dos arbustos de azáleas mexeram-se. Devagar, quase hesitantes, deslizaram até Neferet alguns fios de Escuridão.
A Tsi Sgili piscou os olhos para afastar as lágrimas. Não a tinham abandonado! Mordeu o lábio para não bradar em agradecimento quando o primeiro tentáculo tocou nela a sua carne fria, mergulhou no calor do sangue da raposa e começou a sugar. Os outros não tardaram e, embora não fossem às centenas, aos milhares, como ela outrora brandia, Neferet ficou contente por serem bastantes a responderem ao seu chamado a ponto de o chão em seu redor mais parecer um ninho de Escuridão. Neferet inalou profundamente o ar da noite, sentiu o poder que pulsava nele. Se conseguisse ficar com os fios conhecidos, poderia alimentá-los e eles, por seu turno, poderiam ocultá-la e acarinhá-la até recobrar verdadeiramente força e finalidade.
Finalidade? Qual é a minha finalidade?
As recordações inundaram-lhe a mente debilitada com uma cacofonia de vozes e visões: era uma rapariguinha – a tua finalidade é seres a Senhora da Casa Wheiler! Era uma jovem Sumo-Sacerdotisa – a tua finalidade é seguires o Caminho da Deusa! Era uma vampyra mais madura que começara a ouvir os murmúrios da Escuridão que pareciam chegar-lhe com o vento – a tua finalidade é ajudares-me a sair da minha prisão terrena e reinares a meu lado! Era poderosa, nutrida por fios feitos de noite e de magia – a tua finalidade é divertires-me e seres minha Consorte!
— Basta! — clamou Neferet, a esconder o rosto no pelo macio e serôdio da raposa sacrificada. — Já estou farta de os outros ditarem a minha finalidade. — Resolutamente, pôs-se de pé, a chamar a si os resquícios de orgulho e de poder. — Já comeram desta matança. Agora socorram-me e levem-me para a segurança!
Os fios de Escuridão ondularam, enrolaram-se-lhe nas pernas nuas, a puxarem devagar, a impelirem-na para a frente. Se palavras, Neferet seguiu a Escuridão até um carreiro que levava a uma ampla escadaria de pedra que descia por um terreno rochoso, até ficar ao nível da rua do parque vazio, a olhar para uma zona insignificante e parecida com uma gruta, aninhada entre os carreiros e a zona ajardinada. As pedras e os arbustos quase lhe obscureciam a entrada, aberta para uma vasta extensão de relva que ia dar à Twenty-First Street. Os fios libertaram-na e desapareceram na fenda das pedras. Mais uma vez, Neferet seguiu-os e subiu à boca da gruta. Respirou fundo para se fortalecer enquanto gatinhava naquele negrume cerrado e depois parou, admirada com o odor serôdio e bravio que a rodeava lá dentro.
Os fios tinham-na levado até ao covil da raposa.
Neferet afundou-se na terra, acolheu o odor da sua presa. Quase conseguia sentir o calor do corpo do animal que perdurava no ninho donde partira há tão pouco tempo. Neferet enrolou-se lá, apenas com sangue e Escuridão a cobri-la, fechou os olhos e finalmente deixou que o sono a levasse.
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