Penumbra de Jorge Nunes

Olá Filhos e Filhas das Trevas!

Venho aqui dar-vos a conhecer uma nova saga! Chama-se Penumbra, o autor brevemente criará um blogue/site para dar a conhecer a todos, por agora disponibilizou-nos o primeiro capítulo!
Espero que gostem, podem ver mais capítulos e histórias do Jorge Nunes aqui!



Primeiro Capítulo

DESCONHECIDOS



Estava calor, um calor abafado e insuportável, quando me pus à espera da minha mãe, que me viria buscar no seu Mercedes negro e novo.
Chegara a hora da minha mudança, uma mudança completa na minha vida, e só agora dava conta dos factores positivos, como os verões passados na praia quente e solarenga com amigos de infância, ou aquelas voltas a Katerown de bicicleta. Uma mala e uma pasta seriam as únicas coisas a levar para casa dos meus padrinhos, em Sutterfrin.
Aquele lugar vira-me nascer, crescer, e ser quem sou agora, mas com as complicações financeiras também as discussões surgiram por tudo e por nada e o clima estava tão pesado, que parecia cair-me uma pedra na cabeça quando permanecia em casa, parecendo estar tudo contra o que eu mais desejava, um pouco de sossego.
- Ainda estás a tempo de não ir! - Avisou-me a minha avó "Camila", como era conhecida lá na rua, estando quase a chorar com a minha partida.

A viagem seria penosa, demorada e muito quente, já que o interior do carro, bastante bonito, com pele de camelo num tom amarelado, tudo aquecia mais do que deveria, e, por mais de uma vez quase que assistira à sua total destruição por causa de pequenos incêndios. No entanto, via esta mudança como uma oportunidade de poder tornar-me melhor e principalmente por sair do inferno a que a minha casa se assemelhava. Os dias pareciam não ter fim, em que eu, era o alvo para todos os assuntos e conversas e assuntos, sem o mínimo interesse.
Mantinha-me distante. No fundo já tinha a decisão mais que tomada, ao ponto de ser matriculado na escola mais popular da nova cidade, o Liceu de Awferid e pretendia fazer por lá algumas novas amizades.
Ups! Bem, quando voltei a mim a minha avó estava a esbracejar e a gritar comigo, não levando eu duas palmadas por sorte, mas eu já estava habituado a este comportamento por parte da minha avó, até porque ela tinha razão.

Finalmente uma buzina rouca e bastante prolongada tinha-me chamado a atenção, continuando a minha avó a murmurar qualquer coisa entre dentes.
- Vê se não ficas sem comer e se não apanhas frio Dani. – Acrescentou preocupadamente.

Detestava aquele apelido, mas sabia que não me podia pronunciar em relação a isso. Ao menos agora iria ficar a ser chamado de Daniel ou Foller, mas não de Dani.
De facto esse nome fora-me chamado uma única vez por um tio, agora a viver no estrangeiro, e ainda por cima numa desta do quarto ano, quando interpretei o papel de uma rapariga chamada Dani.
Absolutamente repugnante. Maldita professora. Coitada!
Lá ao longe uma luz cintilava no asfalto quente e a exalar fumo precipitado para o ar. Alguém me acenava. Decerto reconhecera a pessoa e a Harley Davinson que percorria ruidosamente a estrada em direcção a mim, parecendo uma gelatina depois de atacada por uma colher, tremendo por causa do calor, coisas da física que não percebia muito, e não gostava.

O meu pai chamou o meu nome e logo reconhecia a sua voz grave e robusta, o seu tronco atlético e desportivo. Trazia um casaco de cabedal apertado até ao peito, umas calças verde alface que comprara no Havai, nas primeiras férias com a minha mãe, e tudo isso me fazia vacilar agora na escolha.
Cheirava a gasolina num tom carregado naquela linda peça. Era uma das preferidas pelos rapazes da região e eu tinha sorte em me passear nela.

- Olá rapaz! - Exclamou com um sorriso entre dentes. - Estás grande. E a tua mãe como está?
Parecia uma pergunta de provocação, pois ele sabia perfeitamente como ela estava, mas eu não me importei muito com a pergunta e então respondi de forma rápida e fechada.
- Bem...
– Pronto para bazarmos? - Questionou ele de modo bastante aberto e parecendo empolgado com a ideia.
Momentaneamente um arrepio me atravessou as costas, que suscitou em mim um medo de morte.

- Tu...sabes conduzir essa mota?
Engasguei-me quando a pergunta saiu bastante baixa, de modo a que ele não ficasse tão zangado como eu sabia que ficaria, mas no fim, apenas um riso abafado saiu e ele sorriu.
- Bem... Acho que sim.
- Achas que podemos ir?

Fiquei fascinado da maneira como a mota que movia com graciosidade ao passar por entre as faixas brancas da estrada algo velha. O vento passava por entre os meus cabelos meio espetados, de forma vulgar, e prontamente parecia que as minhas preocupações desapareciam como que fossem apenas lembranças de um momento mau e, que daí em diante ficariam fechadas numa gaveta do meu antigo quarto.
Era livre como uma ave no céu, bem, não totalmente mas, por agora era, enquanto via as grandes montanhas que atravessavam o céu agora desprovido de quaisquer nuvens e os verdes campos com erva fresca faziam os cavalos que se viam parecessem maiores que o habitual, que se calhar ao tempo que ali estariam não parecia assim tão absurdo pensar daquela maneira. A sensação de estar a país das preocupações da minha antiga vida, era uma alegria, e eu estava disposto a esquecer o passado.

Durante a viagem, que demoraria cerca de meia hora até ao largo onde viviam os meus padrinhos, eu e o meu pai não nos falamos e eu sabia que em princípio, tímido como ele era, não passaria muito dali. Senti-o diferente por causa da idade, é certo, mas não era só isso que me estava a deixar um pouco intimidado de estar ali.

O distanciamento que tínhamos embora eu estivesse a poucos centímetros dele, pareciam quilómetros que nos separavam, como se uma rede não me deixasse tocar-lhe e um vidro que não me deixava ouvi-lo caso ele falasse. Isso fez-me lembrar dos meus amigos e fiquei angustiado só de pensar, tentando não pensar que cometera um grande erro. Não era muito difícil pensar assim, pois eu era bastante pessimista.
Passara então uns trinta e cinco minutos destes pensamentos e eu nem notara que o descanso da Harley estava no solo arenoso que sujava a pequena entrada da casa.

A casa não era propriamente de ricos como eu estava habituado à minha, e as suas dimensões também não me esclareceram a tal conclusão. Tinha uma cozinha estreita que acabava numa janela com a persiana descida.
Os quartos pareciam-se com os da minha antiga casa, com a pintura ainda fresca, cheirava-se perfeitamente. O mais pequeno, certamente onde eu ficaria também estava pintado, num tom meio avermelhado que não me seduziu muito, mas felizmente tive a notícia de que havia um outro bastante maior, e o meu pai levara para lá as coisas. Este figurava bastante o meu tipo, com a cor azulada a predominar por completo, alguns móveis, poucos e pequenos, e o mais interessante, uma televisão e uma data de cd's pendurados a pregos na parede por baixo de uma prateleira com uma aparelhagem de alto som, com duas colunas do lado e a mostrarem a marca da Sony. Perguntei-me que estaria no quarto errado mas depressa percebia que seria mesmo onde eu ficaria nos próximos tempos, ou anos.
Estava a viver um sonho antigo, não que não tivesse isto em Katerown mas aqui, isto era diferente, mais novo sem dúvida, e o melhor era que seria um quarto só para mim, não tendo eu de compartilhá-lo com nenhum irmão mais velho que se armava em mandão. Estou a falar do James. Era o meu único irmão e desde que atingiu os 18, atingira também a parvalheira, digo sem dúvidas. Enfim.

A casa parecia abandonada, sem que alguém aparecesse para me dar as boas vindas, com tudo perfeitamente organizado. A meu ver tinha um aspecto de abandono na sala, algo perdida entre fotografias velhas e armários de loiças dos anos 50, e o tecto tinha buracos feitos pelos bichos da madeira. Tomara que não me caísse na cabeça. Suspirei.
- Não está cá ninguém, pai.
A minha afirmação mostrava arrependimento e eu senti-me vulnerável às expectativas que teria tentado pensar serem mais favoráveis que "o normal". Tinha a certeza que estava errado mas mesmo assim, as saudades apertavam.
O meu coração contraiu-se dentro do peito e eu não conseguia respirar da forma correcta, soltando alguns soluços enquanto olhava em meu redor, vazio e sem vida.
- Talvez estejam a chegar. Talvez...

Aquele momento de pura hesitação por parte de Johan, deveria proceder-se devido a algo que ele sabia e não me contara.
Sentia-se a eminência de uma derrocada na minha cabeça com aquele suspense e, por momentos, pareceu que eu ouvi uma voz feminina a rir-se.
Tinha gente em casa mas eu não via clima vivo. A mudança estava a dar comigo em doido. Os risos voltaram a ouvir-se e desta vez nitidamente claros. Isto, porque depois disso um mar de gente saiu de trás das cortinas da janela da sala e começou-me a cantar os parabéns. Senti uma confusão de sentimentos a invadirem-me os sentidos e, num sentido de carácter união e tristonho, tornei aquilo num aconchego no meu coração. Contorci as mãos vezes sem conta e os meus ossos salientes obrigaram os dedos a fecharem-se contra o meu corpo, abrindo os meus olhos para deslumbrar toda a beleza genuína que me rodeava. Até aí, já nem me lembrava de algum dia ter participado numa festa, seja pelo que fosse, e quando havia o meu aniversário, apenas assistia a prendas de palavras amargas entre os meus pais. Tanto só para mim, de gente que nem me conhecia. - Lamuriei-me estupidamente.
- Não dizes nada? Não gostaste? - Gritavam os presentes, sentindo-me eu completamente baralhado. Era tudo tão estranho, abstracto e deformado.
Chegara até a pensar se estariam a gozar comigo para depois me porem a trabalhar.
Nem tive tempo de pedir desculpas e fui a correr para o meu quarto depois de subir as escadas ainda que irregulares, que emitiam um ruído estranho, e percorrer um longo corredor cheio de imagens e fotografias de família.
Tranquei a porta com violência e a paisagem tinha mudado radicalmente.
Via parcialmente que iria chover em breve e por ali nada me agradava, com casas cinzentas e um cheiro a fumo vinha dos carros.

- Mais valia não ter vindo para aqui! – Castiguei-me a mim mesmo, batendo com a mão na secretaria, ainda meia húmida do verniz que o meu pai passara, pois era carpinteiro.
Uma profissão era certo, mas em relação às que haviam na minha antiga cidade, nada era.
Eu estava habituado a médicos e engenheiros, numa cidade grande.
Não sabia desvendar o verdadeiro motivo pelo qual tinha fugido da sala, mas naquele momento, o que eu mais desejava era que o amanhã chegasse.

Ainda era de dia e pelo estado do sol, não deveria passar muito das cinco e pouco. Suspirei em sinal de cansaço. Só agora me dava de conta que tinha a pele eriçada.
A temperatura descera bastante, pelo menos uns dois graus, e a temperatura não passaria dos onze graus antes. Decerto que a minha roupa era quente, usando eu uma camisola de malha que a minha mãe fizera antes de me mudar para cá. Um casaco desportivo da marca Adidas, fino mas com a intenção não de me aquecer mas de combinar com a camisola faziam o conjunto no meu tronco algo magro, mas que toda a gente dizia ser atlético, apesar de eu não achar.
Por outro lado pensava que não seria mesmo verdade, até porque eu fazia musculação todas as sextas de manhã num ginásio ali à beira. As calças que usava eram de ganga, acabando com uma beira fina virada para cima. Não era a minha roupa favorita mas em breve as minhas melhores peças seriam, trazidas pela minha mãe. Não estava preocupado em relação a nada disso. Também não era pessoa que preocupasse com muitas coisas. Reparei quase sem crer na janela do quarto, virada para a restante cidade.
A vista era autêntica e bastante original, nada do que vira até então em Katerown. Ao menos nem tudo me aborrecia ali, tomei eu atenção ao que pensava, com um pingo de ironia nas palavras que vagueavam na minha cabeça, algo aturdida pelo cinzento do céu.
As portas não abriam com facilidade, e vi que teria de recorrer à minha força para as abrir. Tinham um aspecto velho, com uma pintura branca pintada de fresco por cima de um cinzento-escuro e gasto, visto em algumas partes com falhas. Tinha buracos provocados pelos bichos da madeira e por fim ganhei coragem para abrir a tal janela, mas detive-me quando ela soltou um barulho de arrastamento encravado que me levou a encostar-me de imediato aos pés da minha cama, baixa e com cobertores extremamente coloridos.

Um barulho semelhante a pequenas pedras começou a ouvir-se a bater nos vidros já embaciados, e eu soube que começara a chover. Não era mau aquele murmurar mas mesmo assim sentia-me incomodado. No meu interior, o meu coração palpitava de tal forma, que pensava ir desmaiar, pois não tinha comido.
- Daniel? Está tudo bem? - Perguntou Moli, a minha madrinha, do lado de fora do meu quarto. Eu conseguia notar a preocupação na voz dela, mas nada disse.
- O que se passou? Tivemos de mandar as pessoas embora! O que se passa? - Insistiu ela, desta vez sendo o meu padrinho também falava, mas eu continuei calado, ouvindo bater a porta várias vezes.

Era óbvio que estariam preocupados, e continuava assim, estando a noite a precipitar no céu aveludado de nuvens aglomeradas e pesadas. Ainda estavam a cair gotas do telhado.
Não me levantei por um instante e o silêncio instalou-se pesadamente. Eu não sabia, mas tinha adormecido.
Durante essa mesma noite, alguns sonhos ligeiros, não deixaram marca no meu consciente, mas que ainda assim me deixavam agitado, fazendo-me acordar por breves segundos, não dando noção de onde estava. Não havia necessidade de eu sonhar muito, pois nem era meu hábito realizar proezas semelhantes, e assim, as horas passaram sem que as minhas memórias me abalassem verdadeiramente. Saberia porém, que na manhã seguinte acordaria meio atordoado e com a sensação de extrema amargura, com algumas dores de barriga, que talvez, o que fariam, era acordar-me agora e pôr-me a assaltar o frigorífico. Tal não sucedeu e eu voltei-me para o outro lado, não me recordando de mais nada, até à manhã seguinte.

Quando amanheceu, eu não ouvira nenhum dos meus dois despertadores que trouxera de Katerown.
- Daniel? Oh meu deus, ainda não abriste a porta?
Reconheci a voz melodiosa da minha madrinha, mas, por agora, mostrava ser uma voz aflita e totalmente exagerada de preocupação. Afinal eu não estava tão…
- Que horas são? – Quis saber eu, esperando alguma resposta do lado de fora da porta, que entretanto veio, mas em total sentido de reprovação.
- Não interessa que horas são. Apenas sei é que estás meia hora atrasado. É o teu primeiro dia de aulas. Por favor levanta-te!

Dei um salto da cama para o chão, tentando ficar de pé nem que fosse por cinco minutos, mas o corpo estava de tal forma adormecido que eu ainda cambaleei até à casa de banho, apenas para ver a minha figura triste. O meu cabelo, que já estava um pouco grande demais, meio avermelhado, com madeixas cor de amêndoa, que agora descobrira que tinha, estava completamente emaranhado sobre si mesmo e muito despenteado. Seria um dilema penteá-lo, pois era forte o suficiente para não querer recompor-se com água, e se fosse com gel então….ufa nem quero pensar! Duro como ficava, era a sentença de morte para o meu tempo livre, quando me dedicasse e torná-lo obediente para ele ficar direito e apresentável.
Decidi que ficaria assim. Parecia uma estrela de Rock misturada com um mendigo que não tem com que se pentear, mas com certeza haveriam lá outros iguais a mim. Pensei eu para tentar não dramatizar.
Seria um milagre eu conseguir chegar ao liceu em menos de vinte minutos e eu podia escolher entre ir de autocarro, ou ir a pé, mas ao sair da porta de casa, por onde saíra aos tropeções, reparei numa bicicleta estacionada mesmo junto ao portão. Não interessava de quem era e eu peguei nela, esperando que ninguém me visse a cometer aquele furto tão singelo, e depois de observar que o caminho estava livre, pus-me a dirigir em direcção ao liceu a grande velocidade quase encravando a corrente e mal me importava em ver a paisagem cheia de árvores e casas, algumas antigas que me circundavam a cada pedalada que dava.

Pouco tempo depois, observei um grande edifício avermelhado e, apenas soube que aquilo seria uma escola pela grande tableta acima da porta principal, bastante arranjada com motivos vegetais. Espreitei a tableta e fiquei profundamente aliviado ao ver as palavras «Liceu» e «Awferid».
Demasiado depressa para ter tempo de raciocinar, levantei a dianteira da bicicleta, de modo a virar-me o mais possível para o portão principal, e, ganhando velocidade, esgotei as minhas forças mortais para chegar a tempo da porta não fechar, estacionando a bicicleta junto a uma árvore a que a prendi, e logo depois ajeitei a minha roupa e o cabelo, de forma a não dar nas vistas para não pensarem que estava demasiado desesperado.

Estás com pressa rapaz! – Exclamou suavemente, quase em tom de troça, o porteiro, e eu fiz-lhe um ar de aborrecimento que ele entendeu logo. Afinal o meu “disfarce” não tina resultado.
O interior da escola era frio e calmo, mas ainda assim conseguia ouvir os murmúrios de colegas meus a entrarem para as salas, ou não. Mesmo assim teria de encontrar a sala de físico-química, para não levar um aviso logo no primeiro dia.
- És o Daniel Foller?
Mostrava ser o tipo de rapariga que andaria sozinha na escola, tendo um elegante aparelho metálico nos dentes, que lhe dava uma aparência bastante razoável, exibindo com ele um sorriso bastante simpático e tímido, com olhos profundos de constrangimento.
- Apenas Daniel se não te importares. – Pedi eu afavelmente, ajeitando a minha camisola larga, que me fugia das mãos e me fazia parecer um “baldas”. Não tirei no entanto, os olhos do chão, pois não estava habituado a falar com raparigas, aliás, desde que me lembro de existir, não falara com nenhuma até então.
- És desta turma?
Não havia por onde fugir à questão, mesmo que eu não pretendesse revelar-me já.
- Com certeza. – Respondi em forma de murmúrio ainda que bastante audível, que percebi com o sorriso aberto dela.
Aquela rapariga mostrava grande graciosidade, fazendo ao mesmo tempo um esforço notável para não mostrar vezes demais o seu “acessório”.
- Queres ir comigo no próximo intervalo para ficares a conhecer a escola? Já sei todos os recantos! – Afirmou ela de maneira fulminante, parecendo bastante contente com a última a parte da frase, e, ao pensar em tais palavras senti-me a corar. Devia parecer um tomate no tempo ideal para se poder apanhar.
Um convite. Não me apetecia, de todo, conhecer nada ali, para já. Mas teria de lho dizer de maneira a que não ferisse os seus sentimentos tão elevados, de poder ter alguém com quem falar e estar. Notava-se isso bastante bem, e eu tinha de sair dali ou morreria de timidez.
- Obrigada, mas...pode ficar parta outra altura? Amanhã?
De certo que não fora a melhor frase a ser empregue ali, mas não estava disposto a colaborar com aquela nova desconhecida.
- Não faz mal. – Amuou ela. – O meu nome é Anna. – Depois desceu o tom de voz, olhando para os pés. - Vemo-nos por aí.
Agradeci novamente, mas já a rapariga de cabelo loiro, com uma saia aos quadrados verdes sobre fundo preto, se tinha afastado, indo na direcção das casas de banho, logo ali ao virar de uma esquina em que estavam afixados alguns papeis com avisos. Ela tinha ficado triste, mas eu não podia mesmo sair dali para lado nenhum.

A sala não tinha ninguém, e algumas cadeiras estavam desocupadas, com a maioria em vista de terem pertences de alguém. Como era novo ali, decidi esgueirar-me para as cadeiras do fundo, as três únicas que pareciam não ter dono, mas dei conta de que todas já tinham coisas em cima delas, duas mochilas e uma capa, aparentemente velha e já rasgada que pus com cuidado em cima do parapeito da janela mais próxima, larga e fechada por um vidro que estava nitidamente sujo com pó.
Tocara e eu estava super nervoso. Os meus colegas começaram a entrar, primeiro, um rapaz com sardas, meio aloirado e de óculos. Tinha uma pose intelectual com os livros de geologia e matemática debaixo do braço direito. Trazia uma tshirt às riscas verdes de dois tons, um, mais cor da relva, muito vivo, e outro escuro, quase da cor do musgo. Era simples, e por isso, talvez fosse gozado como agora sucedia, quando um bruta montes com estilo skinhead e a esmagar uma lata de Coca-Cola o empurrou, deixando-o fazer cair os livros e folhas que trazia.
Corri para ajudá-lo, e comecei a dar-lhe os livros espalhados pelo chão à minha volta.
- Sou o Daniel! - Disse eu ao tentar que ele perdesse a timidez e o medo.
- Ke...Kelvin..! - A sua expressão era tão inocente que até senti pena dele. Depois afastei-me e sentei-me de novo no meu lugar, prestando atenção ao resto da turma, notando que a maioria era tudo raparigas, para meu espanto.

Uma expressão interessada chamou-me a atenção. Mostrava sinais de grande ansiedade e muito medo. Sim, era a rapariga do aparelho, e não tirava os olhos de mim.
Baixei a cabeça e olhou fixamente para a minha secretária, com riscos e cortes editor por x-actos. Sabia que me observava ainda e senti-me a corar, sentindo as minhas orelhas a arder. Ela riu-se baixinho. Era engraçada, não podia negá-lo.
A entrada do professor saltou-me, ao mesmo tempo que me deixou com receio.
Estava estático e recto como uma estátua ao sol. O meu peito doía-me e comecei a suar em pingos longos.
- Tem calma, ele não te morde!

O sussurro da rapariga que me observava com um ar incisivo não me deixou mais descansado, mas abstraiu-me uns minutos da compostura rígida a que me propus reger, e agora conseguia sentir de novo os dedos.
A aula seguiu com a apresentação do professor, de nome Kockin qualquer coisa, e começamos logo o trabalho a sério, com o estudo de um caso que desconhecia, não me interessando minimamente por aquilo. Tinha a ver com raízes, e não achava nada daquilo um pouco que fosse, de interesse, claro, era físico-química.
- Agora... – Aquele compasso de espera fez-me ficar ainda mais nervoso quando o homem de cabelo quase branco e de óculos no nariz, começou a observar os presentes durante longos minutos, que na verdade foram breves segundos, mas que para mim, pareceram um tempo interminável, até que, a sua voz quebrou o silêncio cortante que invadia a sala.

- Mr. Foller... – Estremeci de um salto na cadeira. Ele continuou com um ar entusiasmado.
- Conte-nos por favor como é viver em Katerown.
Eu nem sabia como reagir. Dei por mim a pensar em mil e uma formas de começar a explicação, que fosse breve e que cativasse a atenção de todos.
Uma história de terror ou uma grande aventura em que eu seria o herói...Não, de certeza que não eram as mais distinguidas formas de poder ser aclamado o "maior da turma", por isso, cingi-me a explicar um pouco da minha experiência.
- Katerown... – Comecei para que parecesse minimamente respeitável. - Tem sol, a maior parte do tempo não chove, há praias enormes para se poder passear ou apenas estar ao sol, grandes edifícios de empresas na parte mais central da ostentosa cidade...
Olhava em volta e verifiquei que todos me observavam com olhares de admiração e especulação. Limitei-me a continuar, com um pouco mais de entusiasmo, não exagerando para não pensarem que fosse doido, ou coisa do género.

- Vivi lá até este ano... - Hesitei em revelar as razões de me ter mudado, e contornei a situação de uma forma mais inteligente. - Mudei-me por causa do curso que quero tirar por aqui, para poder ser arqueólogo.
- Mas Mr. Foller...
O que o meu professor acabara de fazer fora quase um crime. Tornou a minha confiança num autêntico fiasco. Perdera a vontade de continuar, suscitando em mim novo medo, com toda a sala a franzir o sobrolho na minha direcção em sinal de impaciência.
Todos menos uma pessoa. A mesma que ainda me olhava com um sorriso aberto e inocente, deixando-me mais à vontade, mas mesmo assim, tensamente rígido.
- Na sua antiga cidade haveria árvores, certamente... Ouvi dizer que é um espaço muito verde!
Ele tinha razão. Parecia conhecer muito bem o lugar de onde eu provinha, mas mais nada disse, para me dar nova oportunidade de falar, ao que não respondi, mas olhei-o em busca de poder interpelá-lo.
- Sim, claro...
A afirmação saiu baixa e penosa, dando-me a sensação de estar com uma expressão ridícula.
A aula parecia um interrogatório para ambientalistas. Ainda faltavam quase quarenta minutos para o milagroso toque estridente, mas salvador, que me faria sair da "cadeira eléctrica".

Mas de repente o clima foi cortado por uma batida seca e forte na porta, que virou todas as atenções na direcção do som, inclusive com a apreensão do professor que agora que mostrava muito direito, depois de arranjar o casaco, bastante brilhante e de cor cinzenta. Parecia um "smoking".
A porta abriu-se e uns sonoros e pesados passos ecoaram na sala e nos corredores do exterior desta.
De fato muito formal e com uma gravata azul-turquesa, de porto severo e olhar furtivo, apresentou-se ainda que olhando para nós, um homem com os seus cinquenta anos. Certamente que seria o director ou alguém com muito prestígio ali, pela maneira como todos os presentes o olhavam com precaução, quase não levantando a cabeça para o fitarem nas faces pálidas.
- Muito boa tarde meus senhores...
Olhei de relance para o meu professor e notei que ele tremia a cada palavra proferida a nós.
- Na próxima semana terão uma visita de estudo a um museu local. Verão uma exposição de várias catedrais românicas em fotografias emolduradas, que vos servirá como introdução à disciplina de História e Cultura das Artes, o qual eu serei o vosso professor e director de turma.
Esfregava as mãos ao dizer tal coisa e eu tive grande noção que ele estaria ali para nos preparar para um ano de pesadelo. - Obrigado pela atenção. Bom dia.
E saiu porta fora em passo largo, quase não pestanejando, sempre com aquele ar rígido e de grande altivez.
Decerto que seria um bom motivo para eu nem aparecer na visita, tendo inventado uma doença ou uma indisposição qualquer, que fosse bastante convincente. Além disso já tinha tido uma disciplina semelhante no ano transacto, mas não me desagradando de todo a ideia de ver catedrais.

Teria de reflectir no assunto e preparar-me no caso do meu plano de falta falsa, desse para o torto.
- Olá! - Chamou uma voz atrás do meu ombro.
Logo atrás de mim, distanciada por trinta centímetros estava uma rapariga. Tinha uns olhos brilhantes e muito vivos, cor de amêndoa. Mostrava um rosto bastante perfeito com curvas bem delineadas nas faces algo rosadas. Tinha um sorriso fechado mas muito humilde e simpático, e reparei que a sua expressão mostrava um pouco de aflição e nervosismo, pois olhava sistematicamente. Parecia estar preocupada com algo ou com alguém.
- Olá. – Repetiu antes de se apresentar. – O meu nome é Bella. Ouvi dizer que és o Daniel Foller. É verdade?
Notei que ela quase me segredava tal pergunta, mas também reparei em todos os olhares de novo, pousados em mim, e agora nela, de forma quase mortífera.
- Quando vieste para cá?
Aquela pergunta era tão directa como a que Anna me pusera ao perguntar o meu nome.
Não percebia a razão mas, toda a gente parecia querer-me ali. No entanto, os olhos que controlavam aquela rapariga, tão frágil e curiosa, pareciam queimar-me o olhar e o corpo cada vez que o confrontava com algum receio.
- Desculpa, não posso falar mais. O Edward está a olhar para aqui. Finge apenas que me foste chegar uma caneta do chão, porque ele parece zangado.
Fiz-lhe um sorriso tímido e debrucei-me na cadeira para fazer o que me pedira. Não queria certamente ser odiado por ninguém.

Era um rapaz, branco da cor de mármore mais branco que existe, o que arrepiava-me. Quase não parecia ser humano e o seu rosto mostrava em grande parte, ódio serenamente controlado. Não gostava de mim, sabia-o, mas não pretendia que ele me fizesse mal, até porque ele deveria ter chegado ali primeiro que eu, pela sua estatura bastante corpórea e altiva, mesmo sem mostrar sinais da idade como rugas ou barba. Não teria tido barba em nenhuma altura, sabia-o pela face completamente lisa, que seria impossível poder ter por melhor que a tivesse cortado. Arriscava-me a dizer que teria uns vinte e poucos anos.
- Obrigado. – Agradeceu Bella com um sussurro breve.
O seu murmurar era tão suave como uma criança de dez anos, apesar de ela já ser uma rapariga bem desenvolvida. Era simpática, mas seria melhor afastar-me, pelo menos por agora. Ouvi-o quase rugir. Era estranho estar ali no meio dos dois.

Finalmente a aula parecia estar a terminar aquando reparamos nos restantes que arrumavam as suas coisas à pressa, arrastando as cadeiras e soltando um barulhinho de fundo que me incomodava os ouvidos, assemelhando-se aquilo a um enxame de abelhas em ponto de caça eminente. Senti-me tonto e deixei-me ficar quieto na cadeira à espera de me acalmar. As minhas mãos tremiam e reparei que Edward passara mesmo atrás de mim, raspando o seu longo casaco de pele cinzenta nas minhas costas. Limitei-me a ignorar que ele estava ali e tentei não pensar que ele me viria pedir explicações pela conversa com a amiga dele.
Depois a campainha tocou de forma prolongada, e até que todos saíssem, não mexi um dedo sequer. Só depois me levantei e arrumei o caderno na pasta de uma alça que trouxera. Teria agora que enfrentar o espaço interminável da escola, e eu precisava urgentemente de comer.
Soltei um suspiro de alívio quando atravessei a porta da sala e não observei ninguém por ali perto para me interpelar. Senti de novo a minha cabeça no lugar, assim como todo o corpo e bocejei. Anna riu-se baixinho, estando mesmo atrás de mim.
- És muito engraçado sabias?
A voz era suave e eu conhecia-a, mas quando a conheci, vi que não teria proferido uma frase para que respondesse. Eu sabia que ela teria encontrado sim, o meu eu, que eu procurava manter na penumbra.
Virei o rosto e olhei por instantes, a face divertida que conseguia observar, estando esta fixada em mim. Mostrava ter o semblante um tanto ou nada carregado de receio, como se ainda não estivesse à vontade para se dirigir verbalmente a mim, deixando o seu olhar pregado na tijoleira do chão.
- Estás bem?
Percebi que tal questão fora posta pela expressão estúpida com que me deveria encontrar, ou por algum cabelo fora do seu devido lugar, dando-me a ideia de que faria figura de idiota ali. Mas porque é que eu estaria assim?
- Como já disse, sou a Anna, Anna Lindsley.
O nome era giro, mas nada irrelevante para mim.
- Tens medo do Edward?
Boa! O Edward. A conversa já não me estava a suar bem, pelo que comecei por parecer menos nervoso. Ele seria perigoso para mim, mesmo que isso à partida fosse mentira. Sabia-o perfeitamente.
A rapariga de estatura média, tal como eu, remexeu num dos bolsos grandes da sua mala, vermelha e brilhante.
Prestei atenção à situação. O seu cabelo longo cobria-lhe a face, e depois, olhou para mim com um olhar muito aflito. Com uma mão tentou uma vez mais alcançar algo e depois desistiu. Suspirei ao pensar que fosse buscar o telemóvel para depois me pedir o número, o que me deixaria extremamente aborrecido e irritado. Pelos vistos seria apenas um caderno esquecido na aula anterior, o que não constituiria tanto motivo de preocupação, e ela descansou depois de mo informar.

O meu estado de espírito estava gelado e aborrecido, tendo a consciência de que nada estava ali a fazer com aquela rapariga que não via como tal. De facto, não passará muito tempo desde que começara a falar com Anna, e senti o meu cérebro a divagar e a agitar-me, quando uns dedos me irromperam os pensamentos sobre o almoço, como flechas.
- Entramos? - Perguntou uma voz aguda bem junto de mim e dos meus ouvidos, ainda meio tapados pela sensação de querer ter uma fuga rápida. Depois detive-me por instantes, para pensar no meu horário. Senti-me mais confiante, face à certeza de que a hora de sair para almoçar se aproximava, depois desta aula. Porém, esta aula teria de se realizar, o que era péssimo.
De certo modo, a ideia de que sequentemente iria para casa, parecia deixar-me com um novo ânimo.

O professor Gregory já estava sentado na sua secretaria de madeira americana. Tinha barba robusta, olhar erguido e uma expressão forte e vincada de impaciência nas rugas que apresentava sob a boca e na testa. A aula começou sem percalços, ainda que tivesse de falar novamente em Katerown, onde me limitei a imitar as palavras proferidas anteriormente.
Estava agora em ciências.
Os olhares mostravam cansaço, quando alguns reviravam os olhos e ninguém prestava atenção. No fundo da sala, à frente, o rapaz que ajudara do ataque de um brutamontes, que felizmente agora tinha faltado, ainda se mostrava interessado, e para meu espanto, escrevia muito quando eu pronunciava algo da antiga cidade. Depois acenava com a mão e erguia o polegar em sinal de provação. Ao menos tinha um ouvinte, já não era mau.
Quando a hora de saída chegou, ergui-me da cadeira e peguei na mochila, depois de dar um jeito ao cabelo, pois parecia-me estar a cair para a frente dos olhos.
Na verdade, teria de o cortar o mais depressa possível, pois já me chateava ter de aplicar gel todas as manhãs, e ele estava a começar a ganhar caspa, o que me atrapalhava, já que a minha roupa preferida tinha sempre preto, um inimigo altamente perfeito para o meu problema capilar.
Quando encontrei a saída para o portão principal, fui directo para o exterior, cansado e com vontade de descansar um pouco.
A bicicleta estava exactamente no mesmo lugar onde a deixara, e eu corri um pouco até chegar perto. Havia gente por todo o lado, muitos alunos, o que me iria dificultar a saída, mas a sorte estava comigo, e consegui colocar-me no passeio principal, a caminho de casa, num ápice.

Como tinha tempo, pedalei devagar e olhei em redor, para observar toda a paisagem, cheia de casas bastante arranjadas e de cores vivas, árvores enormes e cheias de folhas, em cada um dos lados, sem muito trânsito na rua.
O ar era fresco e fez-me apertar o casaco azul-marinho que eu trazia, ainda aberto. Parecia que a chuva estava para chegar, com nuvens negras a aglomerarem-se no céu e a fazerem formas estranhas no amplo espaço vazio e soturno.
A porta de casa dos meus padrinhos rangeu quando lhe dei um jeito com a perna, para que abrisse, pois estava meia empenada por ferrugem nas dobradiças velhas. A casa precisava urgentemente de ter obras, mas, parecia que isso não aconteceria nos próximos tempos.

Suspirei e entrei, em direcção à cozinha que permanecia silenciosa e escura, dando-me logo a razão pela qual a casa emanava a mofo.
Agora percebia o porquê de quando chegara àquela casa, no dia em que supostamente, deveria ser o do meu aniversário, a casa parecia velha e assustadora.

Os meus padrinhos trabalhavam todo o dia, até altas horas da noite, e deixavam sempre a casa fechada e desarrumada, como podia comprovar pela pilha de loiça suja em cima da banca e da mesa encostada a uma coluna, que dava também encosto para o sofá que se via imediatamente ao abrir-se a porta, com um pequeno espaço a separar a porta deste. O sofá era grande e tinha a forma de L, todo branco, agora meio sujo por causa do pó, apesar de ter um plástico a protegê-lo quase na totalidade. Havia restos de piza pelo chão e os tapetes, à entrada e junto à copa estavam gastos, muito decorados, é certo, com flores e formas geométricas, de um bordeau carregado, mas inacreditavelmente, cobertos de pó.
Não gostava nada daquilo, e nunca fizera limpeza até agora, mas aquilo fizera-me tanta impressão, que decidi pegar numa vassoura. Teria de a encontrar primeiro, nos cinco armários à beira do balcão de granito, o maior que havia, junto ao forno de cor negra. No entanto isso não constituía problema para mim, até porque era bastante bom a encontrar coisas, e lá o encontrei, facilmente e no meio de alguns produtos de limpeza e aventais.
Levantei mais pó do que o que limpei, mas a cozinha ficara bem melhor assim, achei eu para comigo próprio.
Passara-se meia hora desde que comecei as limpezas, e agora apenas dispunha de meia hora para almoçar. Também não sabia cozinhar, por isso decidi comer a caminho do liceu, num dos cafés que havia até lá, ao todo três. Uma sanduíche e um sumo chegavam-me para aguentar toda a tarde e não cair a meio de uma aula qualquer. Eu era forte e na verdade, também não gostava muito de comer, pois queria-me manter em forma. Nunca fora gordo e não era agora que o iria começar a ser, certamente.
Peguei nas chaves e dei um ligeiro jeito ao cabelo em frente ao único espelho de corpo inteiro que havia no hall de entrada.
Depois peguei de novo na bicicleta, desta vez meio descuidado (apenas me apercebi disso a caminho da escola), e saí à procura do meu almoço de fast-food.

Permaneci atento a todos os nomes de ruas por onde passava, para futuramente, se gostasse do café, saber onde era e qual o seu nome.
As montanhas que viam muito ao longe, e, por breves segundos fascinaram-me. Ali não era tudo tão mau como previra de manhã, com todas as perguntas sobre o meu "passado".
Senti-me bastante confortável em cima da bicicleta cinzenta e alta, podendo passar por sítios estreitos quando aparecessem carros.
Finalmente apareceu um café, de nome "Food & Friends", e gostei do aspecto da montra, cheia de bolos e bebidas em lata, dispostos lado a lado. Não estava cheio e foi fácil ser atendido rapidamente, dirigindo-me de imediato à esquina que me levaria directa ao liceu. Desta vez não estava atrasado.
Tudo correra como planeara. Fui digerindo pequenas quantidades de fanta enquanto me aproximava do portão, agora visível. Estava bem mais bem-disposto e quase me desaparecera a ideia do martírio matinal.
Havia uma leve brisa no ar, que me passava na face e me fazia levantar os pêlos dos braços em sinal de pequenos arrepios, já que a minha temperatura corporal era mais quente do que a aragem no ar, que fazia folhas nas árvores, grandes e robustas, agitarem-se de um lado para o outro como forma de uma dança perfeitamente ensaiada. Com grande surpresa vi, parada e encostado ao muro que figurava uma das alas para o portão, o rapaz que tinha sido envergonhado de manhã, com este perfeitamente à vontade num grupo de cinco raparigas em seu redor, com cadernos e a fazerem grande alarido.
- Génio da matemática! - Pensei com alegria e ao mesmo tempo com tristeza, simultaneamente a soltar um suspiro. Afinal a única fama que tinha era para uma rapariga, que não fazia propriamente o "meu estilo".
- Daniel Foller certo? - Interrogou uma voz algo familiar, mas muito distante para que a reconhecesse. Virei a cabeça na direcção da voz e vi uma cara muito delicada, com uns grandes olhos azuis da cor do mar, cabelo aloirado com madeixas, e um capacete negro de motoqueiro. Trazia uma mochila, que, pela expressão de dor no seu rosto suado em forma de coração, a deveria estar a cansar muito. Estendi-lhe a mão para oferecer ajuda de imediato.
- Importas-te? - A minha voz era fraca e rouca. Eu não estava a fingir. As palavras que tinha dito apenas me escapavam, como se de uma anel largo se tratasse, a fugir de um dedo demasiado fino para ele. Senti-me atónito perante tal conclusão, tão negativa.

A brisa leve e suave invadiu-me os sentidos. Os meus olhos abriram-se repentinamente. Notei nas folhas de uma árvore que se agitava, o mesmo nervosismo que tinha dentro de mim, quando um frio miudinho me trespassou. Dei um passo e ela afastou-se. Então sorri para a deixar mais à vontade.
- Não te preocupes. Sim, acertas-te no nome. Não que seja algo de muito extraordinário. - Estremeci antes de fazer a questão que tinha em mente. - Como te chamas?
Ela deu outro passo para trás, afastando-se ainda mais de mim, e começou a andar para trás sem que a que o seu lindo rosto se desviasse do meu. E depois desapareceu ao entrar na porta principal. Parecia um dejá-vu da primeira vez em que nos encontramos, quando ela quase me atropelara e desaparecia rua abaixo.
Visto que a minha ajuda tinha sido dispensada e que permanecia sozinho à entrada do liceu, decidi-me por também entrar, tentando a todo o custo visualizá-la novamente por ali perto.
Havia algo de fascinante naquela rapariga, algo que não sentira por nenhuma até então, e que me punha sem palavras, com as pernas a tremer.
Sobrevivera. Um penoso sentimento de abandono percorria todo o meu corpo, originando os maus pensamentos de ter abandonado os meus país, o que me era ainda tolerável e suportável, mas pouco. Não sentia os braços há algum tempo e comecei a perguntar-me se seria resultado da brisa que me deixará os membros adormecidos, ou, por outro lado, bem mais grave e incompreensível, se aquela rapariga me tinha deixado assim, em tão mau estado. O que quer que fosse aquilo, deixava-me mais ciente de que agora estava na hora de entrada.

Ao chegar à sala do primeiro piso vi que os meus colegas estavam muito contentes e a fazerem grande festa.
- O que se passa?
- Vamos mudar de horário! - Gritou Anna, com um tom totalmente eufórico.
- Isso... é bom? - A minha pergunta parecia um clone de ironia e sarcasmo, o que quase ofendeu aquela rapariga que novamente baixou o olhar e se afastou. Senti-me vazio, o dia não podia estar-me a correr pior.
- Sr. Foller, Sr. Foller!
Alguém me chamava. Não seria com certeza um colega meu, e arrepiei-me só de pensar que tivesse feito algo de errado. Propus duas opções para, agora, o director do liceu se estar a dirigir a mim; a primeira seria, por ter chegado bastante atrasado à aula de química de manhã, já depois do toque e depois de o porteiro se preparar para fechar a porta, e por não me ter apresentado a ele quando o deveria ter feito. Ou a segunda, menos grave, a bicicleta que estaria estacionada num sítio proibido ou fora do lugar, ou até pior, não poderiam entrar veículos desses no liceu.
Endireitei-me para escutar o sermão que supostamente iria dar.
- Estou muito contente por o ter por cá! - A sua ovação era tão sincera como as lágrimas de uma criança quando tem fome.
Era ainda jovem, com um fato azul-marinho e uma gravata vermelha, com o nó mal feito, o cabelo muito liso e penteado classicamente, com pala e risca ao lado.
Não passaria seguramente dos quarenta e cinco. Até o meu padrinho seria mais velho, com cinquenta e tais. Depois segurou-me o ombro com firmeza e aproximou-se de mim, ao que eu correspondi com curiosidade.
- Então o seu pai encontra-se bem de saúde? Como está o Sr. Foller, seu pai?
Apanhara-me de surpresa, pois não fazia ideia de que este pudesse conhecer o Sr. Evans.
- Bem... Penso eu! - Ainda hesitei antes de lhe pôr uma pergunta. - Conhece-o?
Ele soltou um riso abafado e dirigiu-se às escadas. - Venha comigo!
- Mas... - Murmurei, preocupado com as aulas, ao que ele acenou a cabeça em sinal de reprovação, deixando-me aliviado. Depois segui-o até uma sala cheia de retratos e fotografias antigas, situada no piso inferior, mesmo à beira do bar.
- Aquele ali era o seu pai!
Não me aproximei para observar pela janela, enquanto o senhor Andrew falava. Tentava interiorizar uma decisão para futuramente poder suportar. Caso visse o meu pai, nas férias de verão, seguramente que ele viria com a mãe, mesmo que se tivessem separado, ou a ida até Katerown para lhe fazer as questões que inundavam o meu espírito de curiosidade.

Ele falou muito. Muito mesmo, que quando entrei deveriam ser umas três horas e meia, e quando finalmente me mandou sair, o ponteiro das horas e dos minutos apontavam para as cinco horas. Hora de voltar a casa.
Voltei as costas à sala, com o director a agradecer ainda e desloquei-me a grande velocidade para a saída. Estava cheio de vontade por regressar a casa. Estava tão entusiasmado, mas assustado com todas as informações, que desconhecia, do meu pai. Talvez pudesse satisfazer uma ou outra coisa que ainda me perguntava se seria possível.
- Olá Daniel. - Exclamou Sally mesmo junto da minha bicicleta.
Sorri de espanto.
- Olá... Sally, não é? - E acenei, enquanto ela me fixava o rosto com aqueles olhos azuis profundos e vivos.
- Posso fazer-te companhia? Penso que tenha sido um pouco inconveniente a desaparecer como faço sempre.
Ela devia estar a tentar arranjar maneira de pedir desculpas, contornando a situação.
- De facto.
- Mais uma vez peço desculpa.
Ao aproximar-se de mim vi os seus cabelos lisos e brilhantes a ondularem, enquanto ela se movia graciosamente. Era formidável falar com ela. E tremi desde a ponta dos pés à cabeça.
Ela baixou o olhar, havendo silêncio até sairmos das imediações do liceu, e perguntei-me se lhe deveria falar ou deixar que o silêncio imperasse, o que me estava a incomodar. Optei por falar.
- Porquê?
Não consegui dizer algo melhor, com o receio que ela não entendesse aquela pergunta tão sem sentido.
Sorriu e encolheu os ombros. A seguir sentamo-nos num degrau do passeio ali à beira e Sally abriu o casaco roxo que lhe chegava aos pés.
- Então ainda continuas a achar que sou maluca... Era a isso que te referias?
- Parece que lês mentes! Lamento - E baixei o olhar em sinal de vergonha.
O olhar dela mostrava serenidade e nenhum rasto de ódio, o que me fez sentir muito à vontade. Sabia que já não me sentia assim à muito tempo. Depois soltou uma gargalhada.

- Bem... Fico aqui! - Respondeu suavemente ao tirar as chaves de casa.
Com aquilo tudo nem me dera conta que tínhamos voltado a andar, com as bicicletas na mão.
Olhei para a estrada meia reduzida a reflexos do sol, ainda fraco, que lhe batia. Em seguida reparei que a "minha" casa estava ali mesmo, a duas casas de distância.
- É aqui que moras? - Quis saber com uma expressão demasiado ansiosa para não disfarçar o entusiasmo de ter Sally com vizinha. Como se não sentisse que aquilo não passaria de um desejo forte de estar perto dela.
Mas o que estava eu a pensar? Não conhecia aquele Daniel. Eu estava estranho, e isso deixava-me assustado, mais assustado que as perguntas da manhã daquele dia interminável. Depois ela virou-se para mim e olhou com curiosidade nos meus olhos.
Senti-me pequeno à sua beira, e não olhei directamente para aquela desconhecida que queria tanto conhecer. Peguei na bicicleta e mexi no plástico que cobria o guiador.
- Essa é uma bela pergunta! - Afirmou num tom quase inaudível, que me interroguei se estaria a dirigir-se a mim.
O silêncio instalou-se e só foi quebrado com a resposta segura que ela deu. Entretanto, ainda suspirei profundamente para ouvir, tendo o olhar posto nos seus lábios, que agora se moviam.
- É a casa da minha amiga Charlotte. Veio para cá passar férias e vou-lhe entregar as chaves que o meu pai lhe mandou entregar por causa de um carro dado como presente. Eles são grandes amigos!
- Aborreci-te! - Afirmei ao tapar a cara com as mãos, estando com um ar enervado. Olhei-a muito rapidamente quase à toa, para depois fazer parecer o parvo que era.
- Sou mesmo estúpido... Todos pensam que sou uma coisa e depois, faço perguntas festas - Continuei de mãos na cara, não conseguindo enfrentá-la, naquele ar quase angélico dela.
- Não considerei um insulto, por isso não me sinto mal pela tua pergunta. Apenas penso que sejas um pouco tímido? Será a palavra certa?

Apesar do que eu dissera, ela parecia estar bastante alegre, o que já não me surpreendia. Depois ela mostrou o seu sorriso aberto e perfeito, e abriu o pequeno portão verde, para percorrer ainda um pequeno caminho até à porta branca com desenhos em alto-relevo de anjos.
Cerrei os punhos para me despedir, mas o som do "adeus" não saiu, e em vez disso, uma tosse rouca ecoou pela rua, deixando-me embaraçado. Ela despediu-se acenando.
- Até amanhã... - Disse, deixando o meu coração a bater como uma metralhadora que não parava de disparar. Quase desmaiei ao sentir tudo a andar à volta.

Pus um pé fora do passeio, e preparava-me para cair, quando... algo duro me abraçou e segurou. Sally segurava-me com as duas mãos à volta da cintura, quase colada a mim.
- Tens de ter mais cuidado Daniel... - Advertiu enquanto eu me sentava no passeio, quase não raciocinando com o que sucedera. Sabia perfeitamente que ela não teria tempo de me agarrar de tão longe que estava.
- Como é que tu... O meu sussurro pareceu nem se ouvir. Sentia que uma coluna de pedra me amparara, e isso era quase impossível.
Espantosamente a voz dela parecia tão brincalhona que se preparava para rir. Tentei encontrar uma solução para tal momento e deparei-me a pensar que tudo não passava de uma mistura de emoções.
Uma vontade de sentir as suas mãos tão frágeis. Sabia que algo era impossível, e despedi-me com pressa, dirigindo-me a casa, já em cima da bicicleta. Éramos desconhecidos ainda. Havia tanta coisa a perguntar, e ficava nervoso só de pensar que no dia seguinte nos voltássemos a ver, para lhe questionar tudo que quisesse.

2 comentários:

Bárbara Braz disse...

olaa :)
Tentei carregar no aqui mas nao consegui entrar na pagina porque dava erro..
podem voltar a por o link?
vao continuar a disponibilizar os capitulos?
obrigada =D

Katley disse...

O link já está disponivel.

Não querida não vamos, fizemos apenas publicidade, já que esta fic nada tem a ver com a Casa da Noite.